domingo, 1 de novembro de 2009

No mesmo tom

Ter esperança. É um sintoma de todos os que estão gravemente contagiados pela vida. Ter sonhos, claros horizontes e dias preenchidos são outros sintomas deste grupo de pacientes que acolhem a sua existência mas batalham por um futuro ainda melhor.

No mesmo tom podia passar-se, por exemplo, na rua de Santa Catarina. Um jovem músico toca guitarra e canta canções a troco de algumas moedas que os transeuntes vão deixando no seu saco. Durante o dia canta músicas conhecidas a troco de euros, no início da noite canta os seus originais, a troco de cêntimos. Uma rapariga aproxima-se, curiosa e trava conhecimento. Rapidamente descobre que o sentimento que dá força ao guitarrista para cantar, provém de um amor não esquecido. Fica a saber também que este trabalha numa loja que repara aspiradores. Que coincidência, a rapariga tem um aspirador em casa estragado.
Está construído o argumento de um filme que qualquer realizador de Hollywood transformaria numa vulgar comédia romântica “boy meets girl”. Mas o realizador deste filme não é americano (os realizadores americanos que me perdoem, que até gosto de muitos deles). John Carney é irlandês e conduz este filme de uma forma tudo menos vulgar. Para começar, os dois actores principais são músicos. Markéta é imigrante checa em Dublin, tal como a personagem que interpreta. Glen é irlandês e pertence a uma conhecida banda irlandesa - “The Frames”.
No mesmo tom fala-nos de esperança. Esperança de um cantor de rua que conserta aspiradores em assinar um contrato discográfico. De uma emigrante checa na Irlanda conseguir melhorar a sua vida de forma a sustentar a família. De um pai ver para o filho um futuro diferente.
Se o desenrolar do filme nos parece tão natural, isso é porque realmente ele é. Os dois actores principais praticamente estão a interpretar-se a si próprios. São os compositores das canções que servem de tapete ao caminhar da história, personagens de um conto de amor que canta e encanta e percorre as ruas de uma Dublin cheia de vida(s) e sonhos.
Este filme independente ganhou o Prémio do Público no festival de cinema de Sundance, numa espontânea ovação em pé.
Foi ainda um discurso de esperança, aquele que Markéta Irglová fez na cerimónia dos Óscares da Academia de Hollywood de 2008, para agradecer o prémio de Melhor Canção Original. A tradução pode muito bem ser esta:
“(…) Este prémio é muito importante, não apenas para nós, mas para todos os músicos e artistas independentes que passam a maior parte do tempo a lutar. E pelo facto de estarmos aqui hoje e podermos segurar neste Óscar, provamos que, por muito longe que cheguem os nossos sonhos, é possível. Sabem, este é também para os que se atrevem a sonhar e nunca desistem. Esta canção foi escrita numa perspectiva de esperança e é a esperança que, no final do dia, nos liga, independentemente das diferenças. (…)”

A esperança não se deve guardar. Deve ser partilhada com quantos a aceitem através da música, da oração, do saber ouvir, do saber estar, de um convite, de um desafio, de tampinhas, de uma caminhada… O que importa é o coração e o ritmo com que ele bate.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Uma História Simples

- Outubro é o mês do idoso - alguém me recordava lá em casa, enquanto eu puxava pela cabeça para tentar escolher um filme para esta edição do Vera Cruz. Recordei que, de uma certa forma, foram os idosos as primeiras pessoas que verdadeiramente me acolheram na Paróquia do Senhor da Vera Cruz. São com eles e para eles os poucos momentos que vou dedicando, por ano, à Paróquia.
- Ora, se Outubro é o mês do idoso, acho que já sei o que irei escolher – iluminou-se-me qualquer coisa na memória.
Lembrava-me de uma curta-metragem a que poucos adultos tiveram paciência para dar atenção e que, salvo erro, fazia parte da edição em DVD do Ratatouille.

A ideia maturou no meu cérebro e já estava com o texto praticamente concluído quando sou colocado perante o tema “Que missão?”.

E agora? Missão?! Como é possível pensar em idosos e missão ao mesmo tempo?! Só se for o “fim da missão”. E, de repente, mal tinha acabado de ter este pensamento idiota, lembrei-me de “Uma História Simples”.
O fim da missão foi a única relação que me veio à cabeça num primeiro momento. No entanto, “Uma História Simples” fala de uma missão, o personagem principal não podia ser mais idoso e essa missão está longe de chegar ao fim…

Alvin tem 73 anos. Anda com a ajuda de muletas, vê mal e a sua saúde deteriora-se de dia para dia. Vive uma vida simples e tranquila, numa pequena cidade rural nos Estados Unidos da América. Tem um irmão, Lyle, de 75, com quem está zangado há muitos anos e que vive do outro lado do país.
Numa noite chuvosa, recebe um telefonema do hospital a informá-lo que o seu irmão teve um enfarte.
Alvin decide que chegou a hora de, finalmente, fazer as pazes e reencontrar-se com Lyle. No entanto, a viagem é praticamente impossível. Alvin não pode conduzir um automóvel devido aos problemas de saúde, o dinheiro não chega para o bilhete de autocarro e a sua filha, única parente próxima, também não pode conduzir.
Contra todas as possibilidades, decide realizar a viagem, de quase 500 quilómetros, no seu cortador de relva.

“Uma História Simples” é a exploração, em múltiplos níveis, de tudo o que pode haver de bom e verdadeiro no nosso coração, numa fase da vida em que não temos outra hipótese senão dar mesmo atenção ao que é realmente importante. Neste filme, David Lynch dá-nos tempo e silêncio. Mostra-nos que há sempre tempo para mais uma missão e para sermos significantes na vida dos outros, mesmo quando o tempo que temos está contado. E oferece-nos um silêncio ensurdecedor que fala, que nos envolve e que comunica as mais ricas sensações. Por momentos temos 73 anos e a vida, para nós, corre devagar. É aí que sentimos o desespero surdo de não conseguir andar mais depressa. E depois percebemos… Depressa, para quê? Tudo o que é realmente importante espera por nós. O que não espera, não pode ser importante…


Por curiosidade, fica também aqui a curta-metragem que havia sido a minha primeira escolha para este mês...

domingo, 6 de setembro de 2009

Penelope

Dizia John Powell, no seu “Porque tenho medo de te dizer quem sou?”, que todos temos medo da rejeição. Temos receio que as pessoas não gostem de nós se souberem como somos realmente.
Ao longo do livro, à custa de exemplos como só ele sabe dar e de um raciocínio à prova de contestação, mostra-nos que há maneiras de confrontarmos os nossos receios, há alturas em que podemos e devemos ser honestos e verdadeiros, pois só dessa forma os outros nos aceitam como somos. Penélope é um pequeno filme que faz passar exactamente a mesma mensagem, mas de uma forma leve e em jeito de moderno conto de fadas.

Então a história reza o seguinte:

Há muitos anos, uma criada da família Wilhern engravidou do filho do patrão. Este, no entanto, apesar de ser essa a sua inicial intenção, não se casou com ela. Pertenciam a classes sociais muito diferentes. A rapariga suicidou-se e a sua mãe, que era bruxa, amaldiçoou as filhas da família Wilhern: a partir desse dia, elas nasceriam com feições de porco. Esta maldição só poderia ser quebrada se elas encontrassem o amor de alguém semelhante.
Após várias sortudas gerações nasce Penélope e a maldição confirma-se.
Diferente e escondida do mundo resta-lhe apenas encontrar um noivo que a queira de entre os inúmeros pretendentes de famílias ricas que a mãe vai arranjando.

Penélope é simples, engraçado e leve como um final de dia em que conseguimos cumprir tudo o que tínhamos para fazer. Não é nem pretende ser um filme de bilheteiras e procura apenas passar uma tautologia fundamental: são as nossas diferenças que nos destacam dos outros. É claro que, não ser diferente é ser normal e ser normal é agradável. Mas será que é suficiente?
No caso de Penélope é o seu nariz que a confina fisicamente e limita socialmente. É ele que, numa primeira fase, a isola de todo um mundo que ansiosamente deseja integrar. No entanto, é através dele que Penélope se torna conhecida e adorada por todos. O que é que muda ao longo deste caminho? Não é com certeza o seu nariz e sim a sua atitude interior perante a sua própria imagem e a sua forma de estar perante os outros. Penélope descobre que não adianta fugir de si própria.
Claro que todos temos o(s) nosso(s) nariz(es). E claro que não o(s) mostramos a todo o mundo. Ficaríamos sem pretendentes… Ou será que não?
Se a nossa auto-estima seguir a estrada de John Powell e o nosso coração acompanhar a história de Penélope, se calhar somos capazes de perceber que somos realmente diferentes e isso não é vergonha nenhuma... que me desculpem os normais.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Duas Vidas e o Rio

Não sei se será do sabor a férias, ou da proximidade do Douro mas, este mês, apeteceu-me pescar. Mais uma vez, não é uma ideia nova. Há pouco menos de 2000 anos houve um tipo que decidiu fazer o mesmo. Claro que não pescava peixe, pescava seres vivos mais importantes: homens.
O filme destas férias conjuga uma série de factores comuns a estas duas realidades: a pesca e a fé; os peixes e os homens. Sobretudo, conjuga vidas.

Em Duas vidas e o Rio pesca-se. Pesca-se como metáfora para uma relação entre dois irmãos e um pai sereno e distante, que encontra na fé um rumo de vida. Pesca-se como alegoria de duas vidas unidas pela infância, separadas pelas escolhas que são feitas, mas que nunca deixam de se tocar. A linha que separa as personagens deste rio é o fio condutor de uma cativante lição de vida sobre as escolhas que fazemos e as decisões que nos moldam o coração.

Norman e Paul são os últimos descendentes da família Maclean. O pai, reverendo presbiteriano e chefe de família, conduz a educação dos filhos como se de uma homilia se tratasse. Para este homem, a pesca à linha é uma experiência de paixão que cedo partilha com os seus pequenos. Uma paixão que se torna contagiante e transforma o crescimento das duas crianças. E é durante as longas sessões “à linha” que os miúdos partilham, inicialmente com o pai, depois a dois, que o vínculo entre eles amadurece. É com o rio que os adolescentes se afirmam. É a pescar que os sonhos ganham vida.
Quase sem dar por isso Norman e Paul crescem transformando-se em contradições vivas. Paul, o rebelde, aventureiro e irreverente que nunca chega a sair de perto dos pais. Norman, o calmo, estudioso e atencioso que parte em busca de um futuro.
Neste filme o curso de um rio é também o curso de duas vidas ligadas por uma relação fraternal que encontra o seu expoente máximo numa linha de pesca…

Depois de ver esta película dou por mim a pensar e a sentir-me agradecido por todos os que ao longo da minha vida me têm ensinado a pescar…
Boas férias!

NOTAS
Duas Vidas e o Rio é realizado por Robert Redford. Ao pensar que se trata de alguém muito mais conhecido pelo trabalho em frente às câmaras do que por trás delas compreende-se que há pormenores na forma como esta história é filmada para os quais só um actor pode ter sensibilidade. Este filme estará para Redford como provavelmente As Pontes de Madison County estarão para Clint Eastwood, ou Danças com Lobos para Kevin Costner.
É também uma das primeiras grandes interpretações de Brad Pitt (Paul).

Boas Férias!

segunda-feira, 1 de junho de 2009

O Urso

Vi pela primeira vez este filme com 12 anos, numa visita de estudo ao Rivoli. Andava na Escola Preparatória Gomes Teixeira. Posso dizer que decorridos cinco minutos numa sala com mais de trezentas crianças da minha idade, algumas um pouco mais velhas e outras um pouco mais novas, se fez o mais absoluto silêncio. Acredito que, nesse dia, nem o mais insensível e arruaceiro dos meus colegas ficou indiferente à história que se desenrolou no grande ecrã.
Depois dessa sessão, já devo ter visto a película umas dez vezes. Em VHS, porque, infelizmente, ainda não consegui a versão em DVD.

Este filme conta a história de uma cria de urso que, ao perder muito cedo a sua progenitora, trava uma singular luta pela sobrevivência.
Os três actores humanos que participam são completamente colocados em segundo plano pelos verdadeiros actores: os ursos. O desempenho é tão natural que nem nos damos conta que praticamente não há diálogos humanos durante todo o filme. Verdade seja dita, também não fazem falta. A história flui através das atitudes e sensações que nos transmitem os animais.

Porque a escolha deste mês foi mais emocional do que propriamente pensada, estava com dificuldades em conseguir explicar as razões. Até há uns dias atrás…
A palavra foi utilizada por um amigo na apresentação de um projecto que irá envolver muitas pessoas em prol de uma comunidade que poucas semelhanças tem com esta. Ele falava de uma escola HUMANIZADA.
Dou-me conta que toda a história de “O Urso”, apesar de se focar nos mais primitivos comportamentos de vida selvagem, é mais humana do que muitos dos nossos próprios comportamentos e atitudes. Se pensarmos um pouco, provavelmente nunca nos foi mais difícil ser humano do que agora. E, como é óbvio, esta linha de pensamento levar-me-ia a pensar numa questão à qual ainda ninguém respondeu convincentemente: “o que é ser humano”?
Se calhar estou a ir longe de mais. Provavelmente a Wikipédia basta para nos dizer:

“Um humano, ser humano, pessoa ou homem é um membro da espécie de primata bípede Homo sapiens, pertencente ao género Homo, família Hominidae (taxonomicamente Homo sapiens - latim: "homem sábio"). Os membros desta espécie têm um cérebro altamente desenvolvido, com inúmeras capacidades como o raciocínio abstracto, a linguagem, a introspecção e a resolução de problemas. Esta capacidade mental, associada a um corpo erecto possibilitaram o uso dos braços para manipular objectos, factor que permitiu aos humanos a criação e a utilização de ferramentas para alterar o ambiente a sua volta mais do que qualquer outra espécie de ser vivo.”

Porque o meu assunto nesta crónica é cinema e não filosofia, aproveito esta científica exaltação do que é a nossa espécie para acrescentar algumas correcções:
  • “capacidade mental associada a um corpo erecto” que, no entanto, em média, passa um terço da sua vida em posição sentada e outro terço em posição deitada;
  • “criação de ferramentas para alterar o ambiente à sua volta”, tal como aumentar o efeito de estufa, introduzir espécies exóticas invasoras em ecossistemas estáveis, contaminar sistematicamente a água com mercúrio e derivados, abrir e fechar “buracos” na camada de ozono, acidificar a água das chuvas, etc.

Como é óbvio, esta visão negativa do ser humano, não o define. Ser humano é também estar presente quando se trata de assumir as responsabilidades, ser humano é pintar a Mona Lisa, é compor música capaz de parar a respiração, é acender nos outros a chama do que têm de melhor, é provar que se pensamos existimos, é saber que nada se sabe, é rir e fazer rir, é sonhar e fazer sonhar, é amar perdidamente com um fogo que não se vê…

Como dizia Baptista-Bastos, Humano é o que se constrói permanentemente e se corrige constantemente, entre o desejo, a cinza, a paixão e a vontade.
Ou, se calhar, isto… é ser Urso.

sábado, 2 de maio de 2009

Uma Casa, Uma Vida

Seja no cativar de uma amizade, no cortejar de um namoro, no compromisso com um casamento, na construção de uma família, no simples plantar de uma árvore, em escrever um livro, em erguer uma casa ou, até mesmo, lutar por uma igreja, a imagem de ver crescer sempre fascinou o ser humano. De uma certa forma, para viver em plenitude, não nos devemos só contentar com o que temos e somos. Faz parte da procura pela felicidade este processo constante de nos desafiarmos a nós próprios a ser maiores e traçarmos novos objectivos. Todos sabemos isto. E todos, mais tarde ou mais cedo, muitas ou poucas vezes, irreversivelmente ou não, nos esquecemos. Porque está na nossa natureza acomodarmo-nos (adaptarmo-nos, como diziam Darwin e Wallace).
Às vezes precisamos que algo abane as estruturas da nossa própria existência e nos faça despertar…
George Monroe esqueceu-se. Da sua vida, dos seus projectos e ambições, da sua própria família. Até ao dia em que algo o faz acordar: a revelação de que tem cancro no pâncreas e quatro meses de vida. De um momento para o outro, todas as “pontas soltas” da vida se conjugaram num único objectivo: a construção da sua casa de sonho.
Mais do que nas agruras da vida, este filme fez-me pensar na importância do meu projecto de vida. Sempre que o vejo, ou recordo algumas das cenas mais marcantes, reflicto no quanto é magnética uma escolha de vida que congrega, não só as minhas capacidades e conveniências, mas também os que me rodeiam.
George sempre pensou em si próprio como uma casa. A sua vida sempre foi à imagem do que se passava no interior dessa casa. A casa não precisava de ser grande, nem bonita. Apenas precisava de ser dele. E acabou por ser o que a vida quis que ele fosse.
Dou por mim a pensar nisto e a perguntar a mim próprio: tenho estado a construir a minha casa? Tenho estado a construir a minha vida?



NOTAS CURIOSAS

A decisão de propor esta película como filme do mês foi tremendamente fácil. É mais um provável desconhecido que não faz parte do TOP de nenhum clube de vídeo, pouco tempo esteve no cinema e é uma das melhores histórias simples de vida que conheço. Atenção que nem vale a pena tentar tecer alguma comparação com aqueles telefilmes que passam de vez em quando na televisão, com “histórias de vida”. Uma Casa, Uma Vida tem como base um argumento de Mark Andrus (uma nomeação para os Óscares com “Melhor é Impossível”) e um naipe de actores conhecidos e com valor reconhecido: Kevin Kline, Kristin Scott Thomas e o, na altura, desconhecido Hayden Christensen. Há quem afirme que foi o desempenho do jovem actor neste filme que convenceu George Lucas a entregar-lhe o papel mais carismático de toda a saga da Guerra das Estrelas: o de Anakin Skywalker (mais conhecido como Darth Vader).

quinta-feira, 2 de abril de 2009

O Céu de Outubro

O desafio que me foi lançado de escrever uma crónica mensal acerca de um filme implicou também, para mim, um critério pessoal. Não faria qualquer sentido utilizar exemplos sobejamente conhecidos do público, uma vez que o mecanismo de merchandising e marketing poderoso que nos entra pelos olhos dentro ultrapassa qualquer influência de opinião que nos possam dar. Por esta razão impus a mim mesmo a análise de filmes que possam ter passado despercebidos, ao lado da enchente comercial, mas de qualidade inegável.

O filme deste mês chama-se “Céu de Outubro”.
No dia 4 de Outubro de 1957 a União Soviética lançou para o espaço o primeiro satélite artificial. Chamaram-lhe Sputnik e permaneceu em órbita durante aproximadamente 6 meses. Esta esfera, com um peso semelhante a um ser humano, foi um indiscutível marco na história da corrida ao espaço. Foi também um marco na vida de Homer Hickam, um adolescente que vivia numa remota cidade mineira dos Estados Unidos.
O enredo conta-nos a história verídica de um projecto que mudou a vida de Homer e três amigos: a construção de foguetões. Contra todas as adversidades e com o apoio de poucos, os quatro amigos vão mostrando que, com perseverança, mesmo os objectivos mais difíceis podem ser atingidos. Desenganem-se os que pensarem que se trata de mais um filme-fantasia, tipo “Disney aos domingos à tarde”. As dificuldades e o esforço são bem reais nesta história e as personagens não encaixam como luvas nas mãos que guiam este argumento. O retrato de uma cidade mineira em esgotamento de recursos. As dificuldades em incutir objectivos maiores em crianças, adolescentes e jovens que sabem que provavelmente nunca serão outra coisa que não mineiros, tal como foram os seus pais e os pais deles. A força de uma geração que não conhece o “mundo lá fora” e que prepara os filhos para o mesmo destino. Tudo isto são realidades que não são estranhas ao nosso país nem, de certeza, à história da nossa família. Tudo isto monta o cenário da vida de Homer e seus amigos e ao longo do filme percebemos que a frase promotora do filme faz sentido. Há mesmo sonhos que conseguem iluminar todo o céu…

Há duas pontes importantes que se podem estabelecer entre este filme e o nosso mundo. A primeira está intimamente relacionada com a velha máxima de “perseguir um sonho”. Quantas vezes a opinião sensata e razoável de amigos ou família nos impediu de “dar com o nariz no chão”? Pois… Mas pode também ser que em outras situações sentimos que nos faltou a experiência para poder crescer. No nosso projecto de vida, o nosso foguetão, tem que haver experiências. Não adianta nada tentarmos proteger os nossos ao extremo pois corremos o risco de não os prepararmos para a vida.
A segunda, muito mais difícil de explicar, são os nossos modelos. Quem são as referências da minha vida? Há sempre pessoas que, na nossa vida, temos tendência a admirar e, porque não, copiar. Faz, no entanto, parte da nossa vida e do nosso crescimento sabermos transformar as características que valorizamos nos nossos “heróis” em cópias activas e em permanente evolução. Só assim não corremos o risco de perder a nossa identidade e passar a viver uma vida que não é a nossa. A relação que se vai estabelecendo entre Homer e o seu pai é, na minha opinião, a verdadeira pérola deste filme. O combustível que faz mover toda a história.
E eu? E nós? Será que temos a chama para concretizar alguns dos nossos sonhos e iluminar, não só o nosso “céu”, mas também o “céu” dos outros?

Não sou responsável pelo que fizeram de mim.
Sou, no entanto, responsável por aquilo que fizer do que fizeram de mim…
Jean-Paul Sartre