quarta-feira, 30 de junho de 2010

Senhora da Água

Ouvir e contar histórias é humano. Faz-nos crescer, sentir diferentes, reflectir e, por vezes, ver o mundo com outros olhos. Quando ouvimos uma boa história somos capazes de nos esquecer de nós próprios e da nossa (às vezes) monótona vida.
M. Night Shyamalan é, para além de realizador de sucesso, um excelente contador de histórias. Que o digam os seus filhos, uma vez que este filme é inteiramente baseado num conto criado para eles. Diz o autor que é uma história para adormecer. Sinceramente, tenho as minhas dúvidas.

A Senhora da Água (Lady in the Water) é o filme escolhido para este mês por duas razões: a relação invulgar que o realizador tem com a água em quase todos os seus filmes, exponenciada, neste, sob a forma de conto infantil e o facto de ser uma parábola diferente aos nossos talentos.
Para a humanidade, água é vida. Todos sabemos que a água é o principal constituinte do nosso corpo e contribui de forma decisiva para o funcionamento de todas as células de todos os organismos que habitam o nosso mundo. É também o personagem principal de todas as fotografias da Terra tiradas do espaço. Eventualmente será também o nome pelo qual o nosso planeta é conhecido por outras possíveis civilizações no Universo (mas isto seria outra história).
Para M. Night Shyamalan a água é uma peça fundamental em quase todos os seus filmes. Representa o ponto fraco de David em “O Protegido” e dos extraterrestres em “Sinais”, simboliza o ponto de viragem da história em “A Vila”. Em “Senhora da Água” a água é a cola que une todas as peças soltas de um conto de fadas estranho e azul. Um conto de fadas que começa num local altamente improvável: um condomínio.

Reza então a lenda que, outrora, o Homem e “aqueles que viviam na água” estavam ligados. Eles falavam do futuro e inspiravam-nos. O Homem ouvia e o futuro tornou-se real. No entanto, o Homem deixou de ouvir e a sua necessidade de dominar tudo, levou-o para o interior. Assim, o mundo mágico dos que viviam na água e o mundo dos Homens, separaram-se. Ao longo do tempo os que viviam na água deixaram de tentar e o Homem deixou de ter quem ouvir. O mundo dos Homens tornou-se violento e perdido. No entanto, os que vivem na água estão a tentar outra vez…

De acordo com a história, Cleveland, zelador de um condomínio de apartamentos com uma piscina no centro, está com um problema. Há alguém que, todas as noites, nada na piscina, o que vai contra as regras estabelecidas. Mal ele sabe que, quem utiliza a piscina todas as noites, é uma narf. Alguém muito especial, do mundo mágico dos que vivem na água, que tem uma missão muito importante. À semelhança das musas que inspiram todos os grandes poetas e escritores, ela vem inspirar alguém de um dos apartamentos a escrever um livro que irá mudar o mundo. No entanto, realizar a tarefa e voltar será impossível sem a ajuda de uma série de homens e mulheres, com diferentes poderes (talentos) que vivem em diferentes apartamentos. Para complicar tudo, ninguém sabe ao certo quem são aqueles que podem ajudar a narf e há forças do submundo que vão fazer tudo para apanhá-la e impedir a sua missão.

A acção do filme podia passar-se, tanto no condomínio de Cleveland, como no meu. Seria possível encontrar em qualquer prédio ou simples grupo de vizinhos os talentos de que a narf precisa. Quantos de nós não conhecemos:
- o “ouvinte” - aquele que pacientemente escuta os outros, como se na sua vida não existissem problemas que cheguem;
- o “escritor” – que, inegavelmente, todos sabem que poderá um dia mudar o mundo;
- o “curandeiro” – que procura resolver os problemas de todos;
- o “grémio” – que é aquele grupo de vizinhos que se juntam amiúde e combinam actividades em conjunto;
- o “intérprete” – que vê sempre outro significado nas atitudes e conversas dos outros vizinhos…

Caro leitor(a), peço desculpa se te trato com esta confiança mas, será que com o meu talento, mais o teu talento e sim, o talento desse em quem estás a pensar e o talento de outros mais que a nós se juntem, não poderemos mudar um bocadinho o mundo? Ou será que estamos à espera que uma narf nos caia no colo? E será que já não caiu? Tens estado atento(a)?
Acho que, mais do que uma história para adormecer, vai ser algo em que irei com certeza pensar quando, nas férias, estiver no rio, no mar ou na piscina…

Sem comentários:

Enviar um comentário